A existência de Bodhi Dharma (Ta Mo, em chinês) é, ainda hoje, posta em dúvida por muitos historiadores. Dos que o aceitam como personagem real, alguns o tomam por um monge persa, outros o tomam por um indiano da casta dos Kshatriya. As datas de sua chegada em Kouang (Cantão - China), vindo de Kanchipuran (região próxima a Madeas, ìndia), variam do ano 479 a.C. ou até antes, ao ano 526 a.C. Chega a haver quem defenda, entre os estudiosos, a idéia de "Bodhi Dharma" referir-se a um grupo de monges e não a uma só pessoa. Bodhi Dharma teria sido o 3º filho do rei Sungandha - discípulo monástico de Prajnatara e 28º patriarca do Budismo indiano. O nome que lhe fora dado, "Bodhi Dharma", indica que era visto como a encarnação humana do "Despertar (Bodhi) e da "Lei" (Dharma) .
Viajante estranho e enigmático, Bodhi dharma chegava à China e solicitava uma audiência ao imperador Wu-Ti (da Dinastia Liang 502-556). Aos olhos do soberano, um homem que efetuava sozinho uma peregrinação da Índia à China, sobrevivendo a mil emboscadas, bandidos e animais selvagens, não poderia ser um homem comum. Por isso , embora um tanto descrente, convocou seus sábios, sacerdotes e magos, e marcou um encontro, na cidade de Nankim. De início a corte imperial mostrou-se favoravelmente impressionada pela incomum presença do estrangeiro e pelo fato de dominar ele fluentemente a completa língua local, apesar dos traços acentuadamente indianos de seu rosto.
Bodhi Dharma diz ter vindo ao chamado "Império do Meio" (China), para ensinar o Budismo sob nova luz. A teoria defendida pelos chineses estaria errada: o Budismo, introduzido na China pelos monges indianos Mattanya e Bhorama, teria sofrido profunda e nefasta influência e se distanciado da doutrina original. Feitas essas declarações, o clima torna-se tempestuoso, decepcionado e mortificado, Bodhi Dharma procura refúgio no Grande Mosteiro Shaolin, no reino de Wei. Diz a lenda que, desde sua chegada ao Templo Shaolin, Bodhi Dharma agachou-se frente a uma parede e assim ficou, prosado, durante "9 anos", a meditar sobre Budha
Diz também a lenda que suas lágrimas nasceu a primeira planta de chá - único alimento que aceitou durante esse longo período de tempo, para evitar adormecer e para conservar o espírito lúcido. Depois que tomou discípulos, para ajudá-los a suportar os longos períodos de meditação que lhes impunha. Bodhi Dharma ensinou-lhes técnicas respiratórias, junto aos exercícios de fortalecimento corporal que favoreciam a sobrevivência nas montanhas retiradas onde viviam. Paralelamente ao desenvolvimento do Budismo chinês (Tchán), Bodhi Dharma teria criado um método múltiplo: o Chen-Pa-lo-Han-Cheou (As Mãos dos Dezoito Arhs), de finalidade marcial, profiláticas, terapêuticas e religiosas. É esse método que os defensores incondicionais de Bodhi Dharma apresentam como origem do boxe Shaolin (ou Chao Lin K´uian).
Não deixa de ser provável que as fontes desse sistema se encontrem em certas artes marciais indianas (como o Vjra Mukti, o Kalari Payat ou Varma Kalai). Obras chinesas também devem ter tido seu papel na sistematização do método. Atribui-se a Bodhi Dharma a redação de dois tratados: o "Yi Kim King" (Tratado de Flexibilidade dos Músculos) e o "Hi Souei King" (Tratado de Purificação da Medula Espinhal). Segundo os pesquisadores Howard Reid e Michael Croucher, teria havido uma única testemunha ocular a deixar algum registro sobre a existência de bodhi dharma. Trata-se de um habitante de Lo-Yang (na atual Província de Honan) que deixou um relato datado do ano 547, intitulado "Lo Yang Chia Lan Chi" (Anais dos Mosteiros de Lo Yang). Diz o autor do relato, Yang Hsuan Chih, que certo dia subia as encostas do Templo Yung Ning, acompanhado pelo governante da cidade Lo Yang, quando encontrou “o Sramana das terras ocidentais, Bodhi dharma; fundamentalmente um peregrino do Reino da Pérsia, que se dizia maravilhado com o Grande Mosteiro Shaolin, Dizia ter 150 anos e dizia ter percorrido numerosos reinos, em todas as direções, sem jamais ter encontrado o que igualasse aquele templo em beleza...”
Essa referência que confirma, é valiosa. Mesmo assim, deve ser tomada com certa prudência, pois os textos chineses foram copiados e re-copiados inúmeras vezes e não são raros os erros de transcrição, tanto do idioma chinês para o próprio idioma chinês, quanto do chinês para a língua ocidental. Ainda que as transcrições e traduções sejam fiéis, certas cogitações devem ser feitas: de que idioma serviu-se Bodhi dharma ao se dirigir a Yang Hsuan Chih? O que queria dizer com "150 anos"? Falava por enigmas e metáforas, como faziam mais tarde os monges Ch´an e Zen? A expressão "era fundamentalmente um Hon do Reino da Pérsia" significava que Bodhi Dharma era mesmo ou só se parecia com um persa? Um "Hon" de olhos claros poderia ser um indiano, pois a pele clara e os olhos azuis não eram raros no noroeste da Índia.
Durante cerca de 500 anos após o relato de Yang Hsuan Chih não são encontrados outros textos que aludam a Bodhi Dharma. Mesmo Uduan Tsang - o letra - do peregrino chinês de século 7 que visitou os templos de Shaolin e de Kanchipuram, cem anos mais tarde - não faz menção alguma a Bodhi Dharma. Mas ressurgem referência no século 11, através de obras que falam da estadia de Bodhi Dharma na China e de seu ensino. Essa lacuna de 4 séculos entre as primeiras referências e as demais é intrigante, a explicação disso talvez esteja no fato de que os ensinamentos do budismo Ch´an ou Zen, quando começaram a se expandir, eram considerados muito radicais e até mesmo heréticos. Os letrados chineses da época dedicaram suas vidas inteiras ao estudo de manuscritos e suas práticas religiosas consistiam na celebração de rituais bastante elaborados. Por outro lado, na seita Ch´an, as práticas religiosas eram muito simples e os manuscritos inexistentes. Até a figura de Budha não correspondia a nenhuma necessidade específica. Diz a doutrina búdica Chám: "Encontrarás o Budha se enxergares claramente tua própria natureza. A iluminação interior não conhece objetos exteriores de veneração”.
Datada do ano 840 a.C. uma citação reforça esse ponto de vista: um mestre Ch´an chamado hsuan Chien dissera que "... não há Budhas, não há Patriarcas, Bodhi Dharma foi apenas um ancião inculto e barbudo, um bárbaro e os ensinos sagrados são apenas alguns registros". O pensamento Ch´an vinha se impor por volta do ano 845 a.C. quando outras seitas budistas eram perseguidas na China. Um momento reacionário se insurgia contra a riqueza e o poder dos mosteiros. Como a doutrina ch´an não buscava o acúmulo de riquezas materiais, escapou das perseguições e sobreviveu por não ser considerada uma doutrina herege. As obras que expõem o ensino de Bodhi dharma foram escritas muito tempo após sua morte, pelos monges que sentiam necessidade de relatar a vida e a palavra do fundador da doutrina Ch´an.
Os livros de exercícios foram escritos ainda mais tarde. E os fragmentos do ensino de artes marciais de Bodhi dharma que substituíram foram certamente diluídos ou modificados através dos séculos, a ponto de se tornarem "irreconhecíveis" se pudessem ser comparados à realidade da época. Como todos os arquivos do Grande Templo Shaolin (havia vários pequenos templos "Shaolin" na região) arderam em chamas no incêndio de 1928, tornou-se praticamente impossível provar o papel de Bodhi Dharma como patriarca do Budismo Ch´an ou Zen. Mas seu nome, de uma forma ou de outra, sobreviveu. Um mestre das artes marciais chinesas, chamado Hung Yi Hsiang, diz ter sido Budhi Dharma o introdutor do Wu-te ("virtude marcial") nas artes marciais da China. no "Wu-te" estão contidas qualidades como disciplinas, humildade e respeito à vida humana, que o verdadeiro guerreiro deve demonstrar. Diz ele: "Antes da chegada de Ta-mo, aqueles que praticavam as artes marciais na China treinavam sobretudo para baterem-se uns contra os outros, passando o tempo todo brutalizando os mais fracos. Ta-Mo trouxe o Wu-Te, que ensina que, longe de serem praticadas com o espírito destrutivo, as artes marciais devem encorajar o desenvolvimento harmonioso do espírito e do corpo."
Se a lenda tenaz e cuidadosamente preservada tem sua parte histórica verdadeira, se Bodhi Dharma realmente esteve no grande mosteiro Shaolin, é ele um personagem duplamente importante na História das Artes Marciais, pois teria não somente fundado o "Boxe Shaolin", como teria sido o primeiro patriarca do Budismo Ch´an ou Zen. De qualquer forma, o nome ligado ao do Templo Shaolin e a ele se atribui a criação de uma técnica ou de um sistema de combate. Mas torna-se difícil determinar até onde e em que medida exata Bodhi dharma contribuiu na evolução dos métodos chineses de combate que já eram antigos na época em que se estabelecera no local. Segundo thomas Dufresne e Jacques Nguyen, é tendência da imaginação popular atribuir uma arte marcial a um ilustre personagem de tempos recuados.
A visita de Bodhi Dharma à China remonta há mais de 14 séculos e, a rigor, uma abordagem mais científica dos acontecimentos da história do Wushu data somente da primeira metade deste século, pela pessoa de Tang Hao (1897 - 1959). Ainda que não se considere Bodhi Dharma o iniciador do "Shao Lim Quan", entretanto, não se pode descartar a hipótese da acentuada influência das técnicas corporais indianas e da introdução destas no grande Templo de Shaolin, seja na época de Bodhi Dharma ou seja mais tarde.